O fenômeno dos namoros que se iniciam na Internet não é novo.
Mas são assim tão diferentes dos que começam cara a cara?
O que acontece quando nos apaixonamos online?
A antropóloga Helen Fisher quis saber o que acontecia no cérebro humano quando entra em modo Cupido.
Sua pesquisa inclui vários casais, que dividiu em três grupos – os recém-apaixonados, os rejeitados e os que continuavam apaixonados ao fim de 20 anos – e submeteu-os a exames de ressonância magnética.
Descobriu que o amor romântico ativa as células da área tegumental ventral, que produzem a dopamina e estão situadas na zona responsável pelas sensações de recompensa e prazer.
“Uma área associada à motivação, querer, ânsia, concentração, que também fica mais ativa quando se consome cocaína”, explica a antropóloga.
“O amor romântico tem todas as características de um comportamento aditivo (viciante). Focamo-nos na pessoa, pensamos nela obsessivamente, distorcemos a realidade, estamos dispostos a correr imensos riscos para a conquistar.”
Será que o mesmo se passa com as paixões que nascem em meio virtual?
Podemos ficar tão obcecados como quando nos apaixonamos ao vivo e a cores?
“No processo de enamoramento há uma centralização no objeto do nosso afeto. Vamos estar muito mais atentos e centrados nessa pessoa, na forma de lhe agradar – até há alterações fisiológicas que nos predispõem muito mais a isso.”
É o que diz a psicóloga clínica portuguesa Cláudia Morais, autora de ‘O Amor e o Facebook’, da Editora Oficina do Livro.
Na era do Facebook e do Whatsapp, quando a troca de imagem é tão fácil, não admira que já exista quem admita que se apaixonou por uma imagem de perfil.
“Há 10 anos já contatava com casais que tinham iniciado a sua relação amorosa via Internet. Entretanto, com o Messenger, Hi5, Facebook e outras redes sociais, as coisas explodiram.
De modo geral, o aspecto físico é o primeiro passo para o enamoramento, tanto para homens como para mulheres, explica Cláudia Morais.
“O que não significa que seja essencial para todos. Depois, há a necessidade de segurança e acolhimento, que também tem a ver com a bagagem emocional que cada um traz. Se acabei de sair de uma relação com uma pessoa controladora e tumultuosa, mesmo que instintivamente, vou procurar alguém que tenha respeito pela minha liberdade, que não dê sinais de comportamentos abusivos associados à tentativa de controlo.
Seja nas relações iniciadas na Internet ou presencialmente, precisamos de sentir que a outra pessoa está disponível para ir ao encontro das nossas necessidades afetivas.”
UMA VERSÃO EDITADA DE NÓS MESMOS
Os mais céticos diriam que, na internet, essa ideia de segurança, apoio e empatia é uma ilusão. “Potencialmente, pelo menos”, concorda a psicóloga.
“Até porque é relativamente fácil dar apoio por escrito e estar lá, mesmo não estando. Pode gerar-se uma ilusão de disponibilidade e de investimento. Quando alguém responde por escrito a um pedido de apoio escolhe quando responde ao meu e-mail ou mensagem.
Pode nem estar a sair da sua zona de conforto, nem ter vontade de o fazer. Mas vou lidar mal com a possibilidade da pessoa com quem tenho uma relação presencial me responder ‘espera aí, tenho que acabar este jogo primeiro’.
Além disso, na Internet mostramos o que queremos de nós, podemos levar a fotografia e a alma ao photoshop e mostrar uma versão ideal e branqueada.
Fala-se online, em geral, durante semanas ou meses, trocam-se mensagens e confidências. Quando o interesse aumenta, passa-se para o telefone e depois para o encontro presencial, em que, muitas vezes, nem tudo o que parecia se revela verdadeiro.
Cláudia Morais explica: “É verdade que online há uma ‘edição’ maior, mas o início de toda relação é sempre editado, mesmo nas que começam presencialmente."
É natural que, no princípio, não nos sintamos tão seguros, que tentemos mostrar o melhor de nós e camuflar aquilo que, aos nossos olhos, é o pior.
O que se espera, em qualquer tipo de relação afetiva, é que a nossa segurança vá crescendo na medida que vamos nos expondo e aceitando o outro com os seus defeitos e limitações.
O que difere no caso de uma relação iniciada através da Internet é que, como a pílula pode estar mais dourada, se iniciar uma relação com base em expectativas muito elevadas ou distorcidas da realidade, provavelmente a desilusão será maior a partir dos primeiros contatos presenciais.
Presencialmente já há uma comunicação mais rica, tem o tom de voz, à disponibilidade do outro para mim e às suas verdadeiras intenções – que me mostram que as coisas podem não ser bem como foram ‘vendidas’ pela Internet.
AS VANTAGENS DOS ENCONTROS VIRTUAIS
Mas nem tudo são ilusões e desilusões.
Os amores começados online até podem ter vantagens relativamente aos que começam cara a cara.
“Nesta área, os estudos ainda são contraditórios, mas alguns mostram que as relações começadas na Internet são mais sólidas ou têm mais probabilidades de virem a dar certo."
"Isso tem a ver com a revelação mútua que acontece no início de qualquer relação. Por causa da facilidade da comunicação nas redes sociais, muitas vezes também nos sentimos mais à vontade para nos expormos de forma verdadeira, claro que o oposto também acontece.
Se eu revelar presencialmente um lado meu, vou sentir a rejeição ou o dano imediatamente.
Se essa rejeição acontecer via Internet, não me vou sentir tão mal e na prática o impacto será menor. ”
Há outras vantagens.
Quanto mais velhos ficamos, temos menos paciência com jogos amorosos e estas coisas de encontrar o novo amor. A Internet pode ser uma ótima ferramenta.
E também para os mais jovens, que não se sentem tão seguros para desenvolver uma relação amorosa a partir do conhecimento presencial.
Mas em geral são pessoas extremamente tímidas e introvertidas, com dificuldades de socialização e em mostrarem-se interessantes, que recorrem às redes sociais e sites de relacionamento para acelerarem este processo.
Por isso, alerta: a sua alma gêmea pode estar online.
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